Descrição
119 pp.; 20 cm
Jorge de Sena, Lisboa, 1919 – Santa Barbara, EUA, 1978
Filho tardio e Ășnico de Augusto Raposo de Sena, natural dos Açores e comandante da marinha mercante, e de Maria da Luz Grilo de Sena, natural da CovilhĂŁ e domĂ©stica. Segundo testemunho do prĂłprio escritor, tanto a famĂlia paterna como a materna pertenciam Ă alta burguesia, tendo a paterna mostrado sempre «presunçÔes de aristocracia velha e predominĂąncia de militares, altos funcionĂĄrios, etc.», ao passo que «a materna era sobretudo de poderosos comerciantes portuenses.»
Jorge de Sena teve uma infĂąncia retirada e infeliz, tendo feito a instrução primĂĄria e os primeiros anos do liceu no antigo ColĂ©gio Vasco da Gama, hoje desaparecido e substituĂdo, no mesmo local, por um colĂ©gio de freiras. O restante do curso liceal fĂȘ-lo no Liceu CamĂ”es, onde foi, no sexto e sĂ©timo ano de CiĂȘncias, aluno, em FĂsico-QuĂmicas, de RĂłmulo de Carvalho que, sob o pseudĂłnimo literĂĄrio de AntĂłnio GedeĂŁo, viria a notabilizar-se como poeta. Na Faculdade de CiĂȘncias de Lisboa efectua os estudos preparatĂłrios para entrada na Escola Naval, com altĂssimas classificaçÔes, sendo a ela admitido em 1937, portanto com 17 anos feitos, como nÂș. 1 do seu curso. ApĂłs uma «viagem de instrução» no navio-escola Sagres, Ă©-lhe recusado o acesso a Oficial de Marinha, por falta de perfil necessĂĄrio. Dessa ferida jamais se curarĂĄ, visto o mar e o que este supĂ”e de «andanças» ter-lhe sempre sido uma profunda atracção. Tendo que escolher entre as opçÔes que os preconceitos burgueses da famĂlia consideravam aceitĂĄveis, Jorge de Sena optou pela engenharia civil, que foi concluir ao Porto, com a generosa ajuda financeira de dois amigos que para sempre lhe ficaram fiĂ©is: Ruy Cinatti e JosĂ© Blanc de Portugal (ambos, tambĂ©m significativamente, de formação cientĂfica). Conclui o curso em 1944, mas, antes, publicara jĂĄ poemas nos Cadernos de Poesia (revista que, posteriormente, co-dirigirĂĄ) e, em 1942, dera Ă luz o seu primeiro livro de poesia, Perseguição, que passou quase despercebido. Como jĂĄ foi dito, a poesia de Sena chocava menos pelo que era do que por aquilo que nĂŁo era: nĂŁo era um lirismo ortodoxo, nĂŁo era de fĂĄcil leitura, nĂŁo era prolixa; mas era, em contrapartida, densa, concisa, difĂcil, pouco musical, onĂrica, agreste, inteligente e culta. Com vivĂȘncias do surrealismo mas em muito o transcendendo.
Em 1947 inicia a sua carreira profissional como engenheiro civil (na CĂąmara Municipal de Lisboa, na Direcção-Geral dos Serviços de Urbanização e na Junta AutĂłnoma de Estradas). Tendo casado com MĂ©cia de Freitas Leça, em 1949, depressa teve que juntar, Ă s tarefas inerentes Ă profissĂŁo, as de tradutor, director-literĂĄrio e revisor, o que impediu que se entregasse de modo mais profundo Ă obra de criação e investigação para que se sentia vocacionado e interiormente equipado. Isto e o ter participado num golpe revolucionĂĄrio abortado que poderia vir a ter, eventualmente, consequĂȘncias, levou-o a fixar-se, em 1959, no Brasil, primeiro, como catedrĂĄtico contratado de Teoria da Literatura, na Faculdade de Filosofia, CiĂȘncias e Letras, de Assis, no Estado de SĂŁo Paulo, depois, em 1961, como catedrĂĄtico contratado de Literatura Portuguesa, na Faculdade de Filosofia, CiĂȘncias e Letras de Araraquara, cargo que desempenhou atĂ© 1965, ano em que a situação polĂtica no Brasil o leva a mudar-se para os Estados Unidos. No Brasil defendera, entretanto, tese de doutoramento em Letras e de livre-docĂȘncia em Literatura Portuguesa, com o trabalho Os sonetos de CamĂ”es e o soneto quinhentista peninsular, e adquirira a cidadania brasileira, que conservaria atĂ© morrer.
Nos Estados Unidos, Sena começou por aceitar o cargo de «visiting professor» na Universidade de Wisconsin, sendo, em 1967 nomeado catedrĂĄtico do Departamento de Espanhol e PortuguĂȘs. Em 1970 mudou-se para Santa Barbara, onde foi nomeado catedrĂĄtico efectivo do Departamento de Espanhol e PortuguĂȘs e, por acumulação, director do Departamento de Literatura Comparada. AĂ viria a falecer em 4 de Junho de 1978.
A obra de Jorge de Sena Ă© monumental em volume, em variedade (poesia, ficção, teatro, crĂtica, ensaio, histĂłria, histĂłria literĂĄria, organização de antologias, tradução) e, frequentemente, de qualidade excepcional. Dando razĂŁo, em todos os pelouros, ao mot de Flaubert: «La poĂ©sie n’est point une dĂ©bilitĂ© de l’esprit», Jorge de Sena imprimiu a tudo o que escreveu um vigor, uma ironia corrosiva, uma energia ĂĄcida, um ousar quase, por vezes, Ă beira da loucura, um gosto (e uma capacidade) de subversĂŁo, um poder intelectual e espiritual, um apetite omnĂvoro de outras e diversas fontes culturais capazes de o alimentarem e excitarem, que dĂŁo ao corpus da sua obra uma força e uma monumentalidade quase monstruosas. Na ficção, citarĂamos tudo: trĂȘs colectĂąneas de contos, Andanças do DemĂłnio (1960), Novas Andanças do DemĂłnio (1966); Os GrĂŁo-CapitĂŁes (1976); uma novela, O FĂsico Prodigioso (1977) e um romance, fortemente autobiogrĂĄfico, Sinais de Fogo (1979). Na poesia muitos dos poemas de As EvidĂȘncias (1955), Fidelidade (1958), Metamorfoses (1963), Peregrinatio ad Loca Infecta (1969) e Exorcismos (1972) ficarĂŁo, por certo, a fazer parte do nosso patrimĂłnio poĂ©tico.
AntĂłnio Ramos Rosa, Eduardo Lourenço e EugĂ©nio Lisboa contam-se entre os ensaĂstas que mais atentamente se dedicaram ao estudo e anĂĄlise da obra de Jorge Sena.
in DicionĂĄrio CronolĂłgico de Autores Portugueses, Vol. IV, Lisboa, 1997