Descrição
Filho de um modesto operário de uma oficina de reparações de equipamentos para o exército, que cegou de gota serena seis meses antes do seu nascimento, o ator Isidoro teve uma infância muito difícil, sem acesso sequer à escola primária. Foi na rua que aprendeu a ler e a escrever, com os rapazes da sua idade, tendo começado a trabalhar com apenas onze anos de idade. Foi primeiro chapeleiro e depois tecelão, ao mesmo tempo que experimentava o teatro como ator amador em grupos que ele próprio organizava. Com dezanove anos consegue entrar no Teatro D. Maria II como comparsa de cena, fazendo figuração muda não remunerada no drama “O Traga Moiros” de Aguiar Loureiro, tendo por lá ficado durante dois anos no completo anonimato.
Isidoro recebeu o seu primeiro salário como ator, em 1849, num teatro que outrora existia em Almada, onde se representavam peças dirigidas fundamentalmente às famílias que se encontravam a banhos nas praias da margem sul do Tejo. O ator Taborda assistiu a uma das representações e ficou fascinado com o talento do jovem, assumindo-se poucos meses depois como seu padrinho artístico ao propô-lo ao Teatro do Salitre, de Lisboa, onde Isidoro (Isidoro Sabino Ferreira) se estreou na comédia “Uma Fraqueza”. Recorde-se, entretanto, que o Teatro do Salitre foi um dos nossos mais carismáticos espaços teatrais do século XIX, um verdadeiro alforge de atores da comédia ligeira, opereta e vaudeville, géneros que atraiam a pequena burguesia.
Com a experiência obtida no Teatro do Salitre, Isidoro transformou-se um caso sério na comédia, sendo por isso disputado pelos principais palcos da capital. O ator Taborda convenceu-o a ingressar no elenco do Ginásio, onde ele acabaria por se estrear em 1853, interpretando brilhantemente o Manuel Ferreiro do “Andador das Almas”, uma paródia de Francisco Palha à ópera “Lucia de Lammermmor” de Donizetti. E, dois anos depois, Isidoro fez a sua primeira revista. Ao lado de Taborda e da vedeta francesa Emília Letroublon, arrancou vibrantes aplausos em dois papéis de grande comicidade: o Enviado do Brasil e o Neptuno do Chafariz do Loreto, de “Fossilismo e Progresso” de Manuel Roussado. Na sequência desta sua prestação, Isidoro foi convidado para o Teatro D. Maria II, mas o Ginásio aumentou-lhe o ordenado e… ele ficou.
No entanto, apenas seis meses depois, Isidoro não resistiu a um convite do Teatro do Salitre, então rebatizado de Teatro das Variedades, que pagou por essa razão uma indemnização considerável ao Ginásio. E foi ali que o ator fez a “Revista de 1858”, que teve «um êxito louco». Fialho de Almeida considerou-a como «a melhor até então aparecida, pela graça, pelo equilíbrio e pela oportunidade de observação e crítica aos acontecimentos do ano em revista». Jorge Faria, importante jornalista da época, alguns anos depois afinava pelo mesmo diapasão: «ela foi a revista mãe, a revista tipo de quantas, durante anos, se escreveram depois em Portugal». E à frente do elenco estava Isidoro, dominando todas as cenas com a sua irradiante personalidade cómica!
Em 1863 Isidoro entrará finalmente para o D. Maria II, depois de classificado como ator de primeira classe, onde representou brilhantemente personagens de grande exigência interpretativa em peças como “Homens Ricos” de Biester ou “Coração e Arte” de Fortis. Mas foi no Teatro da Trindade que ele criou a sua mais inesquecível personagem: o Rei Bobeche da ópera bufa “O Barba Azul” de Offenbach. Antes, porém, regressara ao Teatro Ginásio por três temporadas, onde escreveu a “Revista de 1862”, experiência que o levaria a outros géneros literários. Assim, paralelamente à sua atividade de ator, Isidoro escreveu crónicas e artigos de opinião para diversos jornais, assinou inúmeras traduções de peças teatrais e… fez publicar as suas memórias.
Isidoro era um homem empreendedor, cheio de força, a par de um enorme talento, reconhecido pela crítica, pelo público e pelos seus pares, o que lhe valeria, em 1875, as insígnias de «cavaleiro da antiga, nobilíssima e esclarecida ordem de S. Tiago de mérito científico, literário e artístico». E não se pense que ele era apenas um grande ator cómico. Isidoro era capaz de ir do drama à alta comédia, passando pela farsa e pela tragédia, sempre com a mesma classe, aplaudido pela sua personalidade e não pelos seus bonitos olhos ou por ter um palminho de cara engraçado. Aliás, ele tinha dois grandes olhos num rosto de feições vulgares, mas pouco belas! Tinha, porém, a seu favor um ar jovial, risonho, patusco, que despertava empatias por onde passava.
Isidoro era lutador e ambicioso. Trabalhava afincadamente em tudo em que se envolvia, procurando sempre novos projetos. Chegou a ser proprietário do Teatro de Almada, onde Taborda o descobriu, tendo sido muito feliz com o negócio. Mas nem isso alterou o seu modo de vida. Mesmo depois de ter reunido um bom pecúlio, vestia mal e era muito económico, quase forreta. Muito meticuloso, anotava tudo o que fazia, no palco e em todas as outras atividades, tendo deixado escrito que, como ator, viu o pano subir 9.177 vezes e juntou 17.412$970 reis. Deixou-nos aos quarenta e oito anos, certo de que vez tudo para merecer o que a vida lhe proporcionou: a glória e a fortuna!
Salvador Santos