Sena, Jorge de. Arte de música. Lisboa: Moraes, 1968.
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102 pp.; 21 cm.
Jorge de Sena, Lisboa, 1919 - Santa Barbara, EUA, 1978
Filho tardio e único de Augusto Raposo de Sena, natural dos Açores e comandante da marinha mercante, e de Maria da Luz Grilo de Sena, natural da Covilhã e doméstica. Segundo testemunho do próprio escritor, tanto a família paterna como a materna pertenciam à alta burguesia, tendo a paterna mostrado sempre «presunções de aristocracia velha e predominância de militares, altos funcionários, etc.», ao passo que «a materna era sobretudo de poderosos comerciantes portuenses.»
Jorge de Sena teve uma infância retirada e infeliz, tendo feito a instrução primária e os primeiros anos do liceu no antigo Colégio Vasco da Gama, hoje desaparecido e substituído, no mesmo local, por um colégio de freiras. O restante do curso liceal fê-lo no Liceu Camões, onde foi, no sexto e sétimo ano de Ciências, aluno, em Físico-Químicas, de Rómulo de Carvalho que, sob o pseudónimo literário de António Gedeão, viria a notabilizar-se como poeta. Na Faculdade de Ciências de Lisboa efectua os estudos preparatórios para entrada na Escola Naval, com altíssimas classificações, sendo a ela admitido em 1937, portanto com 17 anos feitos, como nº. 1 do seu curso. Após uma «viagem de instrução» no navio-escola Sagres, é-lhe recusado o acesso a Oficial de Marinha, por falta de perfil necessário. Dessa ferida jamais se curará, visto o mar e o que este supõe de «andanças» ter-lhe sempre sido uma profunda atracção. Tendo que escolher entre as opções que os preconceitos burgueses da família consideravam aceitáveis, Jorge de Sena optou pela engenharia civil, que foi concluir ao Porto, com a generosa ajuda financeira de dois amigos que para sempre lhe ficaram fiéis: Ruy Cinatti e José Blanc de Portugal (ambos, também significativamente, de formação científica). Conclui o curso em 1944, mas, antes, publicara já poemas nos Cadernos de Poesia (revista que, posteriormente, co-dirigirá) e, em 1942, dera à luz o seu primeiro livro de poesia, Perseguição, que passou quase despercebido. Como já foi dito, a poesia de Sena chocava menos pelo que era do que por aquilo que não era: não era um lirismo ortodoxo, não era de fácil leitura, não era prolixa; mas era, em contrapartida, densa, concisa, difícil, pouco musical, onírica, agreste, inteligente e culta. Com vivências do surrealismo mas em muito o transcendendo.
Em 1947 inicia a sua carreira profissional como engenheiro civil (na Câmara Municipal de Lisboa, na Direcção-Geral dos Serviços de Urbanização e na Junta Autónoma de Estradas). Tendo casado com Mécia de Freitas Leça, em 1949, depressa teve que juntar, às tarefas inerentes à profissão, as de tradutor, director-literário e revisor, o que impediu que se entregasse de modo mais profundo à obra de criação e investigação para que se sentia vocacionado e interiormente equipado. Isto e o ter participado num golpe revolucionário abortado que poderia vir a ter, eventualmente, consequências, levou-o a fixar-se, em 1959, no Brasil, primeiro, como catedrático contratado de Teoria da Literatura, na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, de Assis, no Estado de São Paulo, depois, em 1961, como catedrático contratado de Literatura Portuguesa, na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Araraquara, cargo que desempenhou até 1965, ano em que a situação política no Brasil o leva a mudar-se para os Estados Unidos. No Brasil defendera, entretanto, tese de doutoramento em Letras e de livre-docência em Literatura Portuguesa, com o trabalho Os sonetos de Camões e o soneto quinhentista peninsular, e adquirira a cidadania brasileira, que conservaria até morrer.
Nos Estados Unidos, Sena começou por aceitar o cargo de «visiting professor» na Universidade de Wisconsin, sendo, em 1967 nomeado catedrático do Departamento de Espanhol e Português. Em 1970 mudou-se para Santa Barbara, onde foi nomeado catedrático efectivo do Departamento de Espanhol e Português e, por acumulação, director do Departamento de Literatura Comparada. Aí viria a falecer em 4 de Junho de 1978.
A obra de Jorge de Sena é monumental em volume, em variedade (poesia, ficção, teatro, crítica, ensaio, história, história literária, organização de antologias, tradução) e, frequentemente, de qualidade excepcional. Dando razão, em todos os pelouros, ao mot de Flaubert: «La poésie n'est point une débilité de l'esprit», Jorge de Sena imprimiu a tudo o que escreveu um vigor, uma ironia corrosiva, uma energia ácida, um ousar quase, por vezes, à beira da loucura, um gosto (e uma capacidade) de subversão, um poder intelectual e espiritual, um apetite omnívoro de outras e diversas fontes culturais capazes de o alimentarem e excitarem, que dão ao corpus da sua obra uma força e uma monumentalidade quase monstruosas. Na ficção, citaríamos tudo: três colectâneas de contos, Andanças do Demónio (1960), Novas Andanças do Demónio (1966); Os Grão-Capitães (1976); uma novela, O Físico Prodigioso (1977) e um romance, fortemente autobiográfico, Sinais de Fogo (1979). Na poesia muitos dos poemas de As Evidências (1955), Fidelidade (1958), Metamorfoses (1963), Peregrinatio ad Loca Infecta (1969) e Exorcismos (1972) ficarão, por certo, a fazer parte do nosso património poético.
António Ramos Rosa, Eduardo Lourenço e Eugénio Lisboa contam-se entre os ensaístas que mais atentamente se dedicaram ao estudo e análise da obra de Jorge Sena.
in Dicionário Cronológico de Autores Portugueses, Vol. IV, Lisboa, 1997