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Novidades Fernando Pessoa /Modernismo

Fernando Pessoa, Obra essencial de Fernando Pessoa, Assírio e Alvim, Lisboa, 2006-2007

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Fernando Pessoa, Obra essencial de Fernando Pessoa. Vol. 1 – Livro do Desassossego; Vol. 2 – Poesia do Eu; Vol. 3 – Prosa Publicada em Vida; Vol. 4 – Poesia dos Outros Eus; Vol. 5 – Prosa Íntima; Vol. 6 – Poesia Inglesa; Vol. 7 – Cartas.

«Esta Obra Essencial de Fernando Pessoa cumpre uma função prática de utilidade irrecusável: o leitor passa a poder dispor com comodidade de um conjunto de antologias coerentes e com grande apuro editorial. 

Ora, a obra de Pessoa assombra a história da cultura portuguesa, também pela importância que ganham os editores dela, que têm que se transformar em verdadeiros «autores de edição». No caso dos livros de Pessoa, fica manifesto com clareza o trabalho dos que os preparam, dos que escolhem e unem os fragmentos e lhes dão os títulos, aquele que é o invisível alter ego do autor. A preclaridade que se associava entre os anos 40-80 à edição da Ática – que é, aliás, um trabalho de grande qualidade gráfica no panorama português, com a intervenção artistica visível de Montalvor e Almada – veio a revelar-se, afinal, uma grave adulteração dos poemas (é a parte a atribuir a Gaspar Simões), e a descoberta disso traumatizou um público para quem já não era lá muito confortável ter de haver-se com um génio de tais proporções. 

E a obra de Pessoa assombra a história da cultura portuguesa ainda que não se saiba bem o que quer aqui dizer «obra». Pelo que dos seus escritos se vem conhecendo cada vez com mais extensão e precisão – no caso da poesia praticamente já na sua extensão toda – e pelo que neles se lê de múltiplas referências literárias, e, ainda, pela vasta erudição política, científica, económica, filosófica, cultural que revela, sempre tocando zonas inesperadas do conhecimento, a sua «obra» é uma torrencial actividade de produção de fragmentos e de hipóteses de livros, que começa quase em criança e nunca mais descansa, guardando sempre a poesia como pólo magnético. Sim, aquilo que deixou escrito, e o que já pôde ser editado dentre aquilo que deixou escrito, tem na poesia, sem dúvida, o seu princípio e o seu fim. 

Esta série de volumes editada por Richard Zenith constitui um percurso de Pessoa em antologias extensas que se organizam de modo coerente em torno da poesia como foco. De facto, é em dois sentidos distintos que se trata da «obra essencial» de Pessoa: primeiro, é uma antologia dos seus textos essenciais, depois, considera só a parte essencial da sua obra. E, desde logo, esse vasto e fulgurante poema em prosa que é O Livro do Desassossego. Livro que é o grande trabalho de editor que Richard Zenith começa a realizar quando em 1991 traduz para inglês The Book of Disquietude, e sobretudo ganha corpo na sua edição de 1998 (Assírio & Alvim), conferindo ao livro dos mil fragmentos soltos uma nuance de estabilidade que parecia impossível (e que é, em última análise, sempre imaterial, pois é da responsabilidade exclusiva de cada edição a ordem que o livro não pode deixar de ter). Quanto à poesia portuguesa, ela divide-se em ortónima e heterónima, já a inglesa vem junta num volume. Os modos de designação são felizes, inspirados no título de uma certa antologia brasileira mas adaptando-o: a ortónima torna-se a «poesia do eu» e a heterónima a «poesia dos outros eus». Na verdade, mais do que de uma adaptação, é antes de um acerto crítico que temos que falar, pois a referida antologia brasileira (Fernando Pessoa, O Eu Profundo e os Outros Eus, selecção de Afrânio Coutinho, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1980) parece propor, ao usar a oposição «eu profundo» / «outros eus», uma perspectiva interpretativa que privilegia o ortónimo no concerto de toda a poesia. Já Richard Zenith retira muito justamente ao ortónimo tal privilégio, com base num modelo de leitura que explicita, e que reconhece a interdependência textual e o jogo dramático dos múltiplos nomes que Pessoa usa. O resultado é uma apresentação que se organiza de modo simples, sem forçar a leitura em nenhum sentido. Quanto aos outros volumes, quer a Prosa Publicada em Vida quer a Prosa Íntima quer as Cartas contêm elementos de interesse textual ou paratextual que rodeiam a poesia e configuram muitos dos seus prolongamentos ou reflexos. Não são incluídos os muitos fragmentos de ordem filosófica (por exemplo, António Mora) ou política ou esotérica, etc., por se afastarem de uma perspectiva literária central. Outros ainda, como as peças de teatro ou os contos, por estar ainda em curso o trabalho da sua edição.

Um trabalho desta dimensão não pode estar isento de zonas críticas. No caso do vol. 2 da antologia, Poesia do Eu – que tem uma disposição coerente e sugestiva, nomeadamente pela proposta de realização, pela primeira vez, de um projecto do último ano que é Canções da Derrota, e que joga de modo muito feliz com Mensagem, de que é o negativo – contém os fragmentos dramáticos de Fausto, mas estes deveriam ser parte de outro conjunto, em que se integrasse O Marinheiro (que vem no vol. 3) e outras peças de teatro. Nesse vol. 3, aparecem duas versões de «O Conto do Vigário», o que parece inútil para o caso de uma antologia. Neste mesmo volume, poderia haver menos subdivisões, pois os itens «Teoria» e «Crítica», por exemplo, não se parecem distinguir bem. No vol. 4, uma falta que se pode sentir mais nítida é a de C. Pacheco e do seu Para Além Doutro Oceano, sob vários pontos de vista um hapax na obra pessoana. Mas a objecção maior que se pode colocar é a das escolhas textuais para O Guardador de Rebanhos, dado que o critério de adoptar as que poderiam ter sido as correcções de Pessoa (tecnicamente: as últimas variantes) não é seguido em todos os casos. Finalmente, no vol. 5, há uma diferença clara entre A Educação do Estóico, texto heteronímico, e A Carta da Corcunda para o Serralheiro, texto de ficção, e os textos de «prosa íntima» que constituem o objecto do volume. Diga-se, no entanto, que estes pormenores de organização mostram apenas a impossibilade de uma arrumação perfeita de um texto a todos os títulos problemático e movente, e também as necessidades de constituição de volumes cujo formato seja relativamente o mesmo em todos os casos.

Neste jogo ninguém perde, porém, a começar por nós, que ganhamos uma apresentação condigna dos textos maiores do maior dos nossos poetas.»

Fernando Cabral Martins

© Fundação Calouste Gulbenkian, 2006-2017


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