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//Novidades// Literatura portuguesa

Eduardo Lourenço, O desespero humanista de Miguel Torga e o das novas gerações, Coimbra editora, 1955

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“17 de Setembro de 48

Espero na ante-sala insignificativa do consultório de M[iguel] T[orga]. Espero coisa alguma que não vim cá fazer nada senão auscultar uma solidão idêntica à minha. Ou por outra idêntica não que jamais haverá em mim uma tão obstinada certeza dum destino poético como em M[iguel] T[orga]. Toda a poesia que descubro em mim ou na vida seca da minha alma ácida como a dialéctica com que enveneno tudo. E no entanto há sempre em mim uma super-abundância de sentimento religioso que derramo e[m] todos os momentos sobre os objectos profanos. Se essa é a disposição fundamental dos místicos eu sou irmão deles. Vim ao consultório de M[iguel] T[orga] falar com ele, ainda não sei sobre quê, mas sei que é para fugir ao anedotário ignóbil dos amigos que encontro, ao seu cansaço, à sua podridão interior, à sua secura, à sua resignação ao inferior, ao diário, às pantufas, ao café na Central, à crítica desapiedada, à inacção, ao vício. E sobretudo ao silêncio que caiu na terra portuguesa, ao silêncio mortal duma cultura tumbal que projecta sobre o nosso viver miserável, sobre as melhores das nossas esperanças um luar de tédio envenenado. Numa sala de semi-vivos cada um sabe já que está morto. Livros de autores portugueses não se publicam, as revistas são ilegíveis, tudo tem uma tão certa certeza da morte que é preciso crer em Deus para ter força para acreditar que algum dia isto se transforme” 

Ms. inédito em pequeno bloco de notas pessoais de Eduardo Lourenço.

“Este ensaio, acolhido com algum interesse por pessoas que o seu autor respeita, ressente-se de uma ambiguidade estética notória. O epíteto “humanista” aplicado ao desespero que o autor atribui à poesia de M.0 Torga, não foi percebido pela generalidade dos leitores e críticos, como constituindo uma reserva implícita, de ordem literária e ética. Na altura, o conceito de “humanismo” não tinha, entre nós, outras conotações, além das inequivocamente positivas. Daí resultou, da parte de uma certa crítica, uma incompreensão dos propósitos do autor. Mas diga-se, a seu favor, que o autor mesmo não pouco contribuiu para ela. No ensaio sobre “A Presença ou a contra-revolução do Modernismo” aparece uma outra perspectiva mais “crítica” e mais de acordo com o autêntico pensamento acerca do alcance e da visão por ele atribuídos à poesia de M. Torga” 

In: Eduardo Lourenço Tempo e Poesia – à Volta da Literatura, 1987 Lisboa, Relógio d’Água, 2ª edição, nota I, pág.47.


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