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Bernardo Santareno, Nos mares do fim do mundo, doze meses com os pescadores bacalhoeiros portugueses, por bancos da Terra Nova e da Gronelândia, Ática, Lisboa, 1959

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«Nos Mares do Fim do Mundo foi, em grande parte, escrito a bordo do arrastão “David Melgueiro”, na primeira campanha de 1957, a primeira também em que eu servi na frota bacalhoeira portuguesa, como médico. Mas depois desta, tomei parte numa segunda, em 1958, agora a bordo do “Senhora do Mar” e do navio-hospital “Gil Eannes”, em que assisti sobretudo aos barcos de pesca à linha. Assim pude de facto conhecer, por vezes intimamente, todos os aspectos da vida dos pescadores bacalhoeiros portugueses, em mares da Terra Nova e da Gronelândia, e completar este livro.»

Bernardo Santareno, Santarém, 18-11-1920 – Lisboa, 29-08-1980

Bernardo Santareno é o pseudónimo literário de António Martinho do Rosário, cujo exercício da medicina (em Psiquiatria) conciliou, durante anos, com a escrita para teatro, alcançando, desde a sua estreia nos anos sessenta, um papel de primeiro plano no teatro português.

Entre registos realistas, de tonalidade mais naturalista ou com traços épicos, a sua escrita foi essencialmente de denúncia, atenta à realidade do país e visando uma consciência social, o que lhe valeu a proibição de algumas das suas peças e a perseguição pelo regime salazarista. 

Em 1957, depois da publicação de A morte na raiz (1954), Romance do mar (1955) e Os olhos da víbora (1957), saiu o seu primeiro volume de teatro, que reúne três peças: A promessa, O bailarino e A excomungada (uma nova versão de A excomungada, com o título Irmã Natividade, saiu em reedição em 1961). A estreia de A promessa, levada à cena pelo Teatro Experimental do Porto, foi um êxito, mas, devido a uma campanha desencadeada pelo clero reacionário do Norte, as representações cedo acabaram por ser suspensas; uma nova montagem foi realizada em 1967 no Teatro Monumental e uma versão cinematográfica filmada em 1974 por António Macedo.

Em 1959, para além dum relato de viagem, Nos mares do fim do mundo: doze meses com os pescadores bacalhoeiros portugueses por bancos da Terra Nova e da Gronelândia, saíram dois novos livros de teatro que estimularam de imediato a sua passagem para o palco: o Teatro Nacional D. Maria II apresentou O lugre e, de novo, o T.E.P. apostou em O crime da Aldeia Velha (de que existe uma adaptação para o cinema da responsabilidade de Manuel Guimarães, datada de 1964). A censura, porém, impôs a proibição das peças que a seguir escreveu: António Marinheiro (1960), O duelo e O pecado de João Agonia (ambas de 1961) e ainda Anunciação (1962). Só posteriormente, e com exceção da última criação, tiveram a concretização em espetáculos: António Marinheiro em 1967 no Teatro São Luiz pela Companhia Portuguesa de Comediantes; O pecado de João Agonia e O duelo pela companhia do Teatro Nacional, respetivamente em 1969 no Teatro Capitólio e em 1971 no Teatro da Trindade.

Com estas últimas quatro peças e uma quinta escrita para a televisão, Os anjos e o sangue (de 1961, nunca transmitida em televisão, mas levada à cena em 1998 pelo grupo Passagem de Nível) encerrou-se o primeiro ciclo do teatro de Bernardo Santareno, caracterizado pela fusão de temas populares com ambíguas preocupações existenciais, pela extrema agressividade dos conflitos examinados e pela ousadia do tema comum, o das violentas paixões e impulsos dos instintos, hetero ou homossexuais, que prevalecem sobre a razão. A força subversiva da escrita simbólica e poética de Santareno foi recebida no seu tempo com a adesão imediata da crítica progressista, para quem certas fragilidades inerentes à construção dos diálogos e a um certo preciosismo literário ocupam um espaço secundário. 

A partir de 1966, com a “narrativa dramática” O Judeu, o tom do autor fez-se mais intervencionista e a estrutura da épica brechtiana foi posta ao serviço dum estilo pessoal já bem definido e desenvolvido. A peça, levada à cena com um êxito memorável em 1981 pelo Teatro Nacional, baseia-se nas vicissitudes do dramaturgo António José da Silva, morto na fogueira no século XVIII, e formula um paralelismo entre a intolerância da Inquisição e a do regime salazarista. Esta segunda fase, de subversão do modelo aristotélico para uma transmissão mais significativa da consciencialização social, contou ainda com O inferno (1967), A traição do Padre Martinho (de 1969, representada em estreia mundial em 1970 em La Havana, numa tradução do dramaturgo cubano José Triana, e em estreia nacional em 1974 pela Companhia Rafael de Oliveira) e Português, escritor, 45 anos de idade (1974), primeiro texto representado depois da queda da ditadura, no mês de julho, no Teatro Maria Matos. 

Em 1974, “Três quadros de revista”, assim designados no quarto volume das Obras completas editadas na década de Oitenta, integraram a revista P’ra trás mija a burra (de César de Oliveira, Rogério Bracinha e Ary dos Santos): Os vendedores de esperança, A guerra santa e O milagre das lágrimas. Um quarto quadro, O Senhor Silva, escrito para essa mesma revista, não foi aí integrado, mas, renomeado Na berma do caminho, entrou no espetáculo d’A Barraca Ao qu’isto chegou, sendo mais tarde publicado, em 1979, no volume Os marginais e a revolução com o título Monsanto.

Este novo volume reúne, para além de Monsanto, outras três peças em um ato: Restos, A confissão e Vida breve em três fotografias. Todas estas peças curtas são caracterizadas pela fusão dos pressupostos criativos das duas fases anteriores, isto é, com a inserção da problemática sexual, dos textos de estreia, no processo social examinado posteriormente. Deste livro, ainda, Restos e A confissão foram representadas pela Seiva Trupe em 1979.

Por fim, o drama O punho, escrito no período pós-revolucionário, empenhado na defesa da reforma agrária e ultimado no ano do falecimento do dramaturgo, encerrou uma produção penalizada por vezes pelo desfasamento temporal que os acontecimentos históricos e políticos abriram entre as datas de redação e a possibilidade de representação, diminuindo a força da denúncia de que se fazia portadora, mas valorizada posteriormente por reinterpretações cénicas inovadoras ou inesperadas e por estudos académicos especializados. 

A obra completa, organizada e anotada por Luiz Francisco Rebello e publicada em quatro volumes entre 1984 e 1987, testemunha a capacidade do autor de atualizar a tragédia – estando os deuses substituídos por normas sociais opressoras – e de proceder “ao estudo do mal através dos mecanismos do inconsciente, objetivando os ‘novos demónios’ do nosso tempo que, como as Erínias, atormentam os heróis” (BARATA, 1990: 230).

Em 2005, o espectáculo Bernardo Bernarda, criado pela Escola de Mulheres a partir de vários textos de Santareno, com dramaturgia de Fernanda Lapa e Isabel Medina e encenação de Nuno Carinhas, constituiu um grande e tocante fresco em homenagem de um dos dramaturgos mais marcantes da segunda metade do século XX.

*Este texto é a versão revista e em português da ficha bio-bibliográfica de Bernardo Santareno editada in: Sebastiana Fadda (a cura di), Teatro portoghese del XX secolo, Roma, Bulzoni Editore, 2001. Desta antologia faz parte a peça Avanzi.

 

Textos de/para teatro

1957: Teatro: Vol. I: A promessa, O bailarino, A excomungada.

1959a: O crime da Aldeia Velha.

1959b: O lugre.

1960: António Marinheiro (o Édipo de Alfama).

1961a: Os anjos e o sangue.

1961b: O duelo.

1961c: O pecado de João Agonia | Irmã Natividade.

1962: Anunciação.

1966: O Judeu.

1968: O inferno.

1969: A traição do Padre Martinho.

1974: Português, escritor, 45 anos de idade.

1974: Os vendedores de esperança.

1974: A guerra santa e O milagre das lágrimas.

1974: O Senhor Silva (renomeado primeiro Na berma da estrada e, mais tarde, Monsanto.

1979: Os marginais e a revolução: Restos, A confissão, Monsanto, Vida breve em três fotografias.

1980: O punho.

SANTARENO, Bernardo (1984-1987). Obras completas (org. Luiz Francisco Rebello). Lisboa: Caminho, 4 volumes. 

Bibliografia

AA.VV. (1980). Bernardo Santareno. “In memoriam”. Lisboa: Sociedade Portuguesa de Autores, Separata do boletim Autores.

BARATA, José Oliveira (1990). A presença do trágico em Bernardo Santareno. Coimbra: Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Miscelânea em honra do Doutor Amorim Girão, Separata de Biblos, LXVI.

PICCHIO, Luciana Stegagno (1969). História do teatro português, tradução de Manuel de Lucena sobre a 1.ª edição italiana [Roma, Edizioni dell’Ateneo, 1964], corrigida e aumentada pela Autora. Lisboa: Portugália Editora.

REBELLO, Luiz Francisco (1959). Teatro português do romantismo aos nossos dias: cento e vinte anos de literatura teatral portuguesa. 2 vols. Lisboa: Edição do Autor, vol. I.

___ (1961). Imagens do teatro contemporâneo. Lisboa: Ática.

___ (1984). 100 anos de teatro português (1880-1980). Porto: Brasília Editora.

___ (1994). “Apresentação do teatro de Santareno”, in Fragmentos de uma dramaturgia. Lisboa: Imprensa Nacional - Casa da Moeda, pp. 249-260.

___ (1996).“Bernardo Santareno”, in Álvaro Manuel Machado (dir.), Dicionário de literatura portuguesa. Lisboa: Editorial Presença.

SERÔDIO, Maria Helena (2004). “Dramaturgia”, in AA.VV., Literatura portuguesa do século XX. Lisboa: Instituto Camões, Colecção Cadernos Camões, pp. 95-141.

SIMÕES, João Gaspar (1985). Crítica VI. O teatro contemporâneo (1942-1982). Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Colecção Temas Portugueses.

  

Sebastiana Fadda/Joana d'Eça Leal/Centro de Estudos de Teatro


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