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Novidades Política/ Diplomacia

António Albuquerque, Marquez da Bacalhôa, Imprimerie Liberté, Bruxelles, 1908

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Exemplar encadernado, meia francesa. Com assinatura de posse. Com documento anexo com a explicação das personagens do livro.

António de Albuquerque, Viseu, 1866 - Sintra, 1923

Beneficiando das suas origens, viagens e estadas cosmopolitas, A. de A., de seu nome completo Alardo de Amaral Cardoso e Barba de Meneses e Lencastre, edifica a carreira literária sobre o estranho estatuto de nobre e libertário e sobre a indistinção das fronteiras entre ficcionalidade e história, entre narrador/autor textual/autor empírico. Ensaia-se incaracteristicamente na poesia, com a colectânea Arco-Íris e o poemeto Maria Teles; mas, adestrando-se com a tradução de Os Civilizados (Cl. Farrère), é no romance que se fixa e alcança controversa e oscilante evidência.

Arranca com um Escândalo! (1904), que, afinal, não retém as atenções. O subtítulo, Cenas da Vida de Província, reflecte a inserção na longa série de tentativas realistas e naturalistas de reelaboração do processo balzaquiano; e a narrativa, que entretece os casamentos e as infidelidades costumeiras na vida mesquinha de Leiria, revela-se fraca sequência de Eça. Todavia, um ou outro lance distancia-se, embora sem brilho, da matriz queirosiana: o tom em que, desinteressando-se do meio clerical, invectiva o obscurantismo religioso; os termos em que valoriza o adultério, enquanto livre afirmação do indivíduo contra as convenções e os injustos interesses da sociedade; a polarização em Wagner de um contraste violento entre a burguesia provinciana e o encomiástico narrador.

Verdadeiro escândalo causa em 1908 o romance O Marquês da Bacalhoa (estrategicamente dado como edição de uma Imprimerie Liberté, de Bruxelas, mas efectivamente publicado em Lisboa, talvez pelo editor militante Gomes de Carvalho). Obra de intuitos panfletários, merece algum relevo nessa perspectiva; mas o carácter ostensivo de romance à clé injurioso para figuras facilmente identificáveis (D. Amélia, D. Carlos, João Franco, etc.) coarctou a adesão dos próprios paladinos da literatura interventiva que à época grassavam na assimilação da herança naturalista pelo neo-romantismo vitalista e jacobino; mais tarde, a censura moralista veio reforçar o embaraço de correligionários e o repúdio de adversários políticos. Quase sempre desinteressante do ponto de vista estilístico, imperfeita no plano técnico-compositivo (a acção submergindo em digressões polémicas e dissertações doutrinárias), O Marquês da Bacalhoa pretende-se também romance de tese: por um lado, focando uma miragem de resgate da degenerescência da sociedade e da cultura... nacionais – o cesarismo popularista, protagonizável por um quixotesco Mouzinho de Albuquerque, destruído num enredo de corrupção dimanada da vida lasciva e viciosa, cínica e mesquinha da corte brigantina; por outro lado, avançando com a alternativa revolucionária, gerada sobre a denúncia do prestígio falaz, da inanição e venalidade dos caudilhos e escritores que se reclamam da dissidência monárquica ou da subversão republicana. Paradocumental em passos como o cap. XIII (jornada antifranquista de 18 de Junho de 1907) o romance revela-se também importante (sobretudo no cap. XVII) para a aferição das tendências, ambiguidades e limitações dos movimentos ideológicos e da literatura interventiva da época.

Obedecendo à mesma táctica editorial, A Execução do Rei Carlos (1909) torna ainda mais ténue a transposição ficcional, sobretudo no que toca às personagens. Embrecha interlúdios de romanesco erótico e exotismo granadino na evocação mitificante dos regicidas (em particular de Buíça) e na ênfase contestatária (de novo contra as monarquias e as repúblicas burguesas, contra políticos e jornalistas portugueses, mas agora também contra a família institucional, contra o catolicismo e, de acordo com o prefácio e sua epígrafe de Bakunine, contra o patriotismo). Irmanado no Kitsch com O Marquês da Bacalhoa, várias vezes se refere apologeticamente a esse romance; e, destacando alguns dos seus aspectos, permite a A. de A. exprimir com mais serenidade o ideal acrata como cristianismo dessacralizado, reivindicar a independência libertária, retratar-se no pessimismo existencial, no nomadismo sibarita, na misoginia de artista lúbrico, e definir o seu projecto de escritor: a «árida e difícil propaganda de ideias sociais, embora disfarçadas e por assim dizer numa artificiosa forma literária».

Com o romance O Solar das Fontainhas (1910), subintitulado Cenas do Porto, retoma em parte A. de A. à narrativa de costumes epigonal; mas transfere para a atmosfera portuense abundantes tiques da intriga de O Marquês da Bacalhoa, em torno do conluio do alto clero e nobreza locais para o esbulho de uma fortuna familiar em favor da propaganda ultramontana. Este valor negativo contrasta com a ligação amorosa entre um pintor plebeu e uma aristocrata de velha cepa e espírito progressista. De novo, avulta um grupo de artistas militantes, incluindo um «poeta libertário»; e de novo surge o alter ego do autor, o Gusmão aristocrata e anarquista que escrevia romances injustiçados como «baboseiras pornográficas». Os alvos polémicos mantêm-se idênticos; a «religião futura» da revolução acrata, que já vai fazendo aluir o «reaccionarismo católico», é o horizonte dos heróis do romance e do narrador omnisciente que amiúde objurga o obscurantismo e o fanatismo do «partido jesuítico» e dos seus órgãos. De assinalar, os serôdios sinais de incorporação da imagística e da adjectivação queirosianas, bem como as incidências do niilismo do pintor Roberto na análise da natureza da Arte e das suas relações com o mercado.

Em suma: sendo escritor de formação heterogénea, caldeada quer nas ambiguidades entre naturalismo e decadentismo (misérias e grandezas da doença, da anomalia, do vício, do luxo, parentesco de loucura e génio...), quer nas confluências finisseculares da estesia decadista e da revolta libertária, A. de A. realiza-se e malogra-se numa prática de intervenção romanesca não menos sincrética, onde aquele tratamento ambíguo das patologias sociais se subordina à incontinência apelativa do neo-romantismo.
in Dicionário Cronológico de Autores Portugueses, Vol. II, Lisboa, 1990

Inocêncio XXII, 166: “António de Albuquerque, como usa assinar seus escritos é-segundo informações que tenho-aparentado com famílias nobres do país, porém não consegui colher notas biográficas a seu respeito.' 'Este livro causou ruidoso sucesso. Dias antes do seu aparecimento, já era procurado com interesse. Uma noite fez-se a distribuição pelas livrarias enquanto o autor transpunha a fronteira. Alguns livreiros suspeitando, talvez, que o livro continha doutrina prevista pela célebre lei de 13 de Fevereiro de 1896, não o aceitaram, e outros o vendiam com precaução. Entretanto o gerente da Livraria Tavares Cardoso, Largo do Camões, expunha-o na montra. No dia imediato foi ali o agente da polícia, que apreendeu um exemplar do livro, voltando no seguinte a convidar o dito gerente a comparecer perante o Chefe Ferreira. Idêntico convite foi feito aos Srs. Joaquim Monteiro, gerente da Parceria António Maria Pereira, José Pereira, sócio do livreiro José António Rodrigues, e Francisco José Gomes de Carvalho, a quem muitos supunham o editor, ou, pelo menos, que havia cedido a casa para a composição do Marquez da Bacalhoa. A autoridade inquiriu do número de exemplares vendidos e quem havia fornecido um para o Paço. Ouvidas as respostas, aconselhou a que custassem a venda, para o que confiava na probidade dos livreiros. Se porém não acatassem esse convite mandaria proceder a buscas domiciliárias e apreensão de exemplares. Isto não obstou à continuação da venda clandestina.' na propalada e requestada obra contam-se 'as tropelias de um ministro 'Nunes' durante o reinado do 'Marquês da Bacalhoa', não sendo muito difícil descortinar a que personagens reais correspondiam os nomes postos no livro pelo autor, António de Albuquerque.”


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