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Vitorino Nemésio, Era do Átomo, Crise do homem, Lisboa, Livraria Bertrand, 1976

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Exemplar com dedicatória encadernado, mantém as capas de brochura.

145 pp. ; 19 cm.

 

Vitorino Nemésio, Praia da Vitória, Terceira, Açores, 1901 - Lisboa, 1978

Homem de letras dos mais fecundos e originais, domina, com uma vasta obra de criação e de investigação, o campo da cultura e da literatura portuguesas do século XX.

Nos Açores, onde nasceu, fará estudos primários e secundários, colaborando, logo em 1915, no Eco Académico, onde trava conhecimento com Jaime Brasil, seu «mentor de iniciação literária e agnóstica». Nesses anos, dirige Estrela d'Alva, revista literária, e publica o seu primeiro livro, Canto Matinal, poesia, 1916. De mistura com alguma boémia, não é um aluno brilhante no liceu e, tendo-se incorporado no exército como voluntário, é nessa qualidade que, em Janeiro de 1919, visita pela primeira vez o Continente.

Em Lisboa, no início dos anos 20, trabalha como repórter em A Pátria, privando com jornalistas como Norberto Lopes e Artur Portela e com dirigentes anarco-sindicalistas da CGT. Por essa altura participa na fundação do jornal Última Hora. Em 1920, após publicar uma peça de teatro, Amor Nunca Mais, regressa aos Açores decidido a concluir o curso dos liceus. Em Julho de 1922, de novo no Continente, apresenta-se em Coimbra aos exames do então 7º. ano, matriculando-se de seguida na Faculdade de Direito. Emprega-se como revisor da Imprensa da Universidade, colabora em O Século e publica um novo livro de poesia, Nave Etérea (1922).

No ano seguinte, em que lhe morre o pai, é iniciado na Maçonaria, na loja Revolta, de Coimbra, com o nome simbólico de Manuel Bernardes. Dirige então os jornais republicanos Gente Nova e A Humanidade, este último fundado em 1912 por um grupo de lojas maçónicas, uma das quais a sua. Integra-se no Orfeão Académico de Coimbra, com o qual viaja por Espanha, oportunidade para conhecer Ortega y Gasset. Nas férias de 1924, tem Raul Brandão como companheiro na viagem para os Açores. Nesse mesmo ano, funda a revista Tríptico com Afonso Duarte, António de Sousa, Branquinho da Fonseca, Campos de Figueiredo e João Gaspar Simões.

Casa em 1926 e, tendo entretanto passado para a Faculdade de Letras, licencia-se em 1931 em Filologia Românica. Depois de reger a cadeira de Literatura Italiana na Universidade de Coimbra, como contratado, doutora-se ali em 1934 com a tese A Mocidade de Herculano até à Volta do Exílio.

Após o doutoramento, vai para França, como leitor de português na Universidade de Montpellier, e é então que tem oportunidade de conviver com intelectuais como o filólogo alemão Karl Vossler, Marcel Bataillon, Robert Ricard, Pierre Hourcade. Durante esta estada em Montpellier publica o livro de poemas La Voyelle Promise (1935) e profere algumas conferências, mais tarde reunidas no volume Études Portugaises (1938).

De regresso a Coimbra, funda com Alberto Serpa, em Outubro de 1937, a Revista de Portugal, «saída como tácita reacção ao proselitismo da Presença» (em 1930, Nemésio havia ali publicado alguns sonetos, mas manteve-se sempre alheio àquele movimento). Entre 1937 e 1939, lecciona na Universidade de Bruxelas e, em 1940, torna-se professor catedrático da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, de que chegaria a ser director, pronunciando ali a sua última lição em 1971. Entretanto, havia viajado a leccionar pelo Brasil, Espanha, França, Inglaterra, Alemanha, Holanda, Suiça e as então ainda colónias portuguesas de Angola e Moçambique.

Doutor honoris causa pelas Universidades de Montpellier (França) e do Ceará (Brasil), recebeu em 1966 o Prémio Nacional de Literatura e, em 1974, o Prémio Internacional Montaigne. Em 1963, torna-se sócio efectivo da Academia das Ciências de Lisboa.

Seduzida pelo rosto da Esfinge, toda a obra de Vitorino Nemésio (seja a de ficcionista e poeta, seja a de crítico, biógrafo ou historiador, ensaísta ou filólogo) se sujeita aos desafios do Mistério. Tenha-se em conta o entusiasmo com que o autor se lança no estudo de matérias como a microfísica e a biologia molecular, já para o fim da vida, revelador de um espírito em persistente vigília (ver: o livro de poemas Limite de Idade, 1972). Escolhe a via da dispersividade para com ele se defrontar (arma com que alguns o atacarão), mas que ele assume como método, não só por mais adequado ao seu espírito dialéctico, avesso a redutoras certezas, como o que melhor serve aos seus objectivos.

Na linha do pensamento contemporâneo, sabe que o Mistério é em si insondável e plural e que só há uma maneira de o falar, de o dizer: evocando, aludindo, metaforizando; numa palavra, exercitando um tipo de pensamento analógico. Por isso a linguagem é, na sua obra, a dimensão de que nenhum exegeta seu pode alhear-se. Vitorino Nemésio domina o verbo com segurança, espontaneidade e, por vezes, ousadia inexcedíveis, mas para fazer dele o centro de uma Obra. Aliás, é o próprio a confessar: «Sessenta anos de letras fizeram de mim uma espécie de corrente contínua da fala: – penso em acto» e, ainda, «desfaço-me em linguagem».

Como poeta, o seu talento daria, na opinião de David Mourão-Ferreira, para mais dois ou três «apontarem novas direcções e novos modos de ser moderno na poesia portuguesa». «Poeta extraviado» desde os tempos de Coimbra, isso significa, em termos de obra produzida, pelo menos duas coisas: independência relativamente a escolas e doutrinas (quer dizer, fuga à tradição da nossa poesia, ao pendor narrativo, confessionalista, dramático) e feixe de novas encruzilhadas a apontar outros caminhos: adesão ao símbolo e à imagem (imagismo), às buscas formais (experimentalismo dos anos 60), aos efeitos de surpresa (non sense e insólito) e de ironia (estética surrealista), retorno às raízes populares (ritmo de Romanceiro, quadras e léxico). Em tudo isto, nada de clássico, a não ser nas motivações que se adivinham por debaixo de uma temática centrada na «busca do sentido da existência» (infância, isolamento do eu, procura de Deus, o Destino), formas de existência diversamente abordadas em alguns dos seus livros (1938-1959), motivações ainda clássicas pelo sentido romântico de uma apetência para o diálogo que delas se desprende.

No panorama do romance português, Mau Tempo no Canal (1944) ocupa um lugar de relevo como romance-tragédia que retrata os conflitos de uma sociedade patriarcal do primeiro quartel do século, integrada na asfixiante realidade insulana. Para além do encontro da realidade física (os Açores) com a psicológica (encarnada em duas famílias rivais que, por razões económicas, se digladiam), o interesse deste romance está também no encontro da dimensão realista da escrita com a simbólica. Mas a sua obra de ficcionista não se fica por este romance, considerado um dos mais importantes da literatura portuguesa do século XX, pois outras obras, anteriores e posteriores, haviam afirmado Nemésio como prosador pelo menos tão excepcional como o foi poeta.

in Dicionário Cronológico de Autores Portugueses, Vol. IV, Lisboa, 1997


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