Silva, José Miguel, and Manuel de Freitas. Walkmen. Lisboa: & etc, Edições Culturais do Subterrâneo, Lda, 2007
Acresce o valor do transporte pelos CTT (de acordo com as tabelas em vigor para o correio registado ou não registado). Enviar email para informação de envio por correio.
35, [4] pp. ; 18 cm.
José Miguel Silva, [ Vila Nova de Gaia, 1969]
O poeta português contemporâneo José Miguel Silva (n. 1969) publicou, até 2017, os seguintes livros: O Sino de Areia (1999), Ulisses já não Mora Aqui (2002), Vista para um Pátio seguido de Desordem (2003), Movimentos no Escuro (2005), Walkmen (com Manuel de Freitas, 2007), Erros Individuais (2010), Serém, 24 de Março (2011) e Últimos Poemas (2017). Em 2002 participou na antologia Poetas sem Qualidades, organizada por Manuel de Freitas. Tem vindo ainda a publicar, com regularidade, poemas e ensaios nas revistas Telhados de Vidro e Cão Celeste. Na blogosfera mantém uma presença frequente, escrevendo em Achaques e Remoques (https://eumeswill.wordpress.com/), um blog pessoal criado em março de 2009.
Embora José Miguel Silva assuma a “vocação política” da sua poesia (apud Bonifácio 2011: s/p) e reflita com assiduidade acerca do mundo contemporâneo, a palavra Europa e as suas derivantes revelam-se praticamente inexistentes na sua poesia. Ainda assim, o leitor poderá intuir com facilidade o que este autor pensa a respeito da Europa.
No seu segundo livro, Ulisses já não Mora Aqui, há, logo no título, uma ideia de perda, reforçada por uma epígrafe de Bernardo Soares, que o autor escolhe para abrir a primeira parte do livro: “Nós herdamos a destruição e os seus resultados”. Ulisses já não mora aqui, isto é, vivemos num tempo onde já não há espaço para heróis (nem mitos). Sem nunca mencionar explicitamente a Europa, José Miguel Silva não deixa de introduzir inúmeras referências à Grécia Antiga, contrapondo um passado de valores e ideais a um presente oco e desencantando. A ilustração irónica desta oposição faz-se, por exemplo, no poema “Colheita de 98”, em que o sujeito poético aproxima o “Bem, a Beleza, a Verdade” (2002: 38) a “uma garrafa de maduro tinto do Ribatejo”, comprada “ontem no supermercado” (ibidem). Numa outra epígrafe escolhida por José Miguel Silva, esta de Sophia de Mello Breyner Andresen, antecedente a um poema de Erros Individuais, pode ler-se: “O primeiro tema da reflexão grega é a justiça” (apud Silva 2010: 22). Mas a justiça, conclui José Miguel Silva num outro poema (“Lamento e exortação”), “é uma jura redigida em esperanto / e a lei o duro eixo onde circula o privilégio” (2017: 7).
Desta forma, o único ideal que o poeta observa atualmente na Europa é o do lucro capitalista, onde “apenas o espírito invisível / dos cartões de crédito perfura, roedor, / o níquel dos humanos corações” (2005: 17). Em consequência, a linguagem económica introduz-se de forma obsessiva em muitos poemas, dos quais “Too big to fail” é um dos maiores exemplos: “O meu único receio é que despertemos / a inveja dos Deuses, no Olimpo de Bruxelas, / e que Mercado, o monstruoso Titã, decida / baixar para lixo o rating da nossa relação” (2011: 18). A visão de José Miguel Silva parece aliás em concordância com a de Hans Magnus Enzensberger, que no mesmo ano publicou O Afável Monstro de Bruxelas ou a Europa sob Tutela, ensaio no qual antevê o “fracasso” do projeto europeu (idem: 68).
Por outro lado, num poema como “Feios, Porcos e Maus — Ettore Scola (1976)” (Silva 2005: 42-43), o poeta regista a promiscuidade política portuguesa (onde “só os piores” conseguem chegar aos cargos mais importantes), em sintonia com a realidade europeia (“director executivo, embaixador na Provença”). E, assim, “a bolha esburacada da democracia” (Silva 2017: 31) parece imperar globalmente: “Entre o ridículo e um buraco negro, escolhemos, / hoje e ontem, a elite que tão bem nos representa: / a diferença nenhuma” (2005: 45).
Não há, na poesia de José Miguel Silva, a crença numa Europa unida em torno de valores como justiça, liberdade ou compaixão. Há, essencialmente, pessimismo irónico, denúncia da globalização e do capitalismo. Cidades como Londres, Paris e Nova Iorque (2005: 54) equivalem-se como centros urbanos onde todas as preocupações são, em primeiro lugar, económicas. A Europa é, portanto, para o poeta, espelho de um mundo egoísta onde “a compaixão [se] reduz / ao gosto complacente de uma liberalidade baratucha” (2010: 22) e onde o apocalipse se materializa como a realidade futura mais plausível: “Enquanto omitíamos limites, / travestidos de titã desenfreado / e celebrávamos a mancha do progresso / e almoçávamos petróleo (pensando / que comíamos cozido à portuguesa!) / entropia entrava em cena e declarava, / terminante: «Acabou a brincadeira»” (2017: 41).
Manuel de Freitas, [Vale de Santarém, 1972]
Poeta, tradutor, crítico literário e editor.
Licenciado em Línguas e Literaturas Modernas (Português e Francês), é co-director da revista Telhados de Vidro e escreve regularmente sobre literatura no semanário Expresso. Tem publicado, além de vários livros de poesia, ensaios sobre literatura portuguesa contemporânea e foi responsável pela organização da antologia Poetas sem Qualidades (Averno, 2002), onde junta alguns dos mais significativos poetas da sua geração.
Centro de Documentação de Autores Portugueses
10/2009