Descrição
Prefácio e Notas de António Sérgio e Hernâni Cidade
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Notável prosador e o mais conhecido orador religioso portuguĂŞs, o Padre AntĂłnio Vieira nasceu em 1608, em Lisboa, filho primogĂ©nito de um modesto casal burguĂŞs, e faleceu na BaĂa em 1697. Quando tinha apenas seis anos, os seus pais mudaram-se para a BaĂa, no Brasil, tendo aĂ iniciado os seus estudos.
Os jesuĂtas tinham sido desde sempre os portadores da cultura e civilização no Brasil, com relevo especial para os Padres JosĂ© de Anchieta e Manuel de NĂłbrega. Assim sendo, cursou Humanidades no colĂ©gio da Companhia de Jesus, onde revelou bem cedo dotes excecionais. Aos 15 anos, motivado pela sua fĂ© na Virgem das Maravilhas na SĂ© baiana e por um sermĂŁo que ouviu sobre as torturas do Inferno, Vieira teve o seu famoso “estalo” e decidiu ingressar na Companhia de Jesus. Ante a oposição dos pais, Vieira fugiu de casa e prosseguiu a sua formação, em que predominavam as Humanidades Clássicas (principalmente o latim), a Filosofia e a Teologia, com especial relevo para a Sagrada Escritura. Guiado pelos pressupostos e práticas jesuĂticas, que apontavam para o objetivo primordial da salvação do prĂłximo atravĂ©s da pregação, exerceu a sua função evangelizadora junto dos indĂgenas de uma aldeia onde passou algum tempo.
Todavia, cedo regressou Ă capital de forma a continuar a sua formação. Ao entrar no segundo ano do seu noviciado, assistiu Ă brusca invasĂŁo dos holandeses na BaĂa, tendo de refugiar-se no interior da capitania. Começara, entĂŁo, a Guerra Santa entre Portugal e os inimigos de Deus, a que Vieira nĂŁo ficou alheio durante mais de 25 anos. Descrevendo estes eventos calamitosos do ano de 1624, na “Carta Ă‚nua” ao Padre Geral em Roma, Vieira deixou claro que a sua atividade nĂŁo se limitaria a ser meramente religiosa, pois os preceitos jesuĂticos, que apontavam para a emulação e o instinto de luta, levavam-no a bater-se pela justiça.
Em 1625 AntĂłnio Vieira fez votos de pobreza, castidade e obediĂŞncia e, propondo-se missionar entre os amerĂndios e escravos negros, estudou a “lĂngua geral” (tupi-guarani) e o quimbundo. Foi nomeado professor de RetĂłrica no colĂ©gio dos Padres em Olinda, onde permaneceu dois ou trĂŞs anos, tendo depois voltado Ă BaĂa com o fito de seguir os cursos de Filosofia e Teologia. Ordenado padre em dezembro de 1634, depressa se avolumou a sua fama de orador e se celebrizaram os seus sermões que refletiam as vicissitudes da BaĂa, em luta contra os holandeses, e criticavam a ganância, a injustiça e a corrupção. Em 1641, restaurada a independĂŞncia, Vieira acompanhou o filho do governador, que vinha trazer a adesĂŁo do Brasil a D. JoĂŁo IV, Ă MetrĂłpole. Em Lisboa, começou a pregar em S. Roque e logo o seu talento se espalhou pela cidade. Segundo o testemunho de D. Francisco Manuel de Melo, a afluĂŞncia Ă s pregações era tal que, como se de provĂ©rbio se tratara, corria a frase: “Manda lançar tapete de madrugada em S. Roque para ouvir o Padre AntĂłnio Vieira”. Cativa o favor de D. JoĂŁo IV, que nĂŁo tardou em convidá-lo a pregar na capela real, onde ele proferiu o seu primeiro sermĂŁo no dia 1 de janeiro de 1642. Dois anos depois foi nomeado pregador rĂ©gio. Nos numerosos sermões desta Ă©poca da sua vida, Vieira nĂŁo se cansava de animar o auditĂłrio a perseverar na luta desigual com Castela e propunha medidas concretas para a solução de problemas, inclusive de ordem econĂłmica. A sua situação privilegiada dentro da corte teria contribuĂdo para que fosse encarregue de diversas missões diplomáticas na Holanda, França e Itália, como foi o caso do casamento do prĂncipe TeodĂłsio. Em 1644, AntĂłnio Vieira proferiu os votos definitivos, depois de ter feito o terceiro ano de noviciado em Lisboa. A Companhia de Jesus começou a ver com maus olhos a sua influĂŞncia nos destinos do paĂs, ameaçando-o de ser expulso da Companhia. A pedido da mesma, voltou ao Brasil em 1653, para o estado do MaranhĂŁo e aĂ assumiu um papel muito ativo nos conflitos entre jesuĂtas e colonos, como paladino dos direitos humanos, a propĂłsito da exploração dos indĂgenas. No ano seguinte pregou o SermĂŁo de Santo AntĂłnio aos Peixes. Foi expulso do MaranhĂŁo pelos colonos, em 1661, e regressou a Lisboa.De novo na capital, D. JoĂŁo IV, seu protetor, havia falecido e D. Afonso VI, instigado pelos inimigos do orador, desterrou-o para o Porto e, mais tarde, para Coimbra. Perfilhando as novas expectativas sebastianistas que encontrou no reino, que se baseavam no juramento de D. Afonso Henriques, nas cartas apĂłcrifas de SĂŁo Bernardo, nas profecias atribuĂdas a SĂŁo Frei Gil e nas famosas trovas de Bandarra, escreveu o SermĂŁo dos Bons Anos, em 1642. Foi nesta altura que a Inquisição o prendeu sob a acusação de que tomava a defesa dos judeus, acreditava nas possibilidades de um Quinto ImpĂ©rio e nas profecias de Bandarra. Entretanto, a situação polĂtica alterou-se. DestituĂdo D. Afonso, subiu ao trono D. Pedro II. AntĂłnio Vieira foi amnistiado e retomou as pregações em Lisboa. Em 1669 parte para Roma como diplomata e obtĂ©m grande sucesso como pregador, combatendo o Tribunal do Santo OfĂcio. Na Cidade Eterna, continuou a defesa acĂ©rrima dos judeus e ganhou grande reputação, encantando com a sua eloquĂŞncia o Papa Clemente X e a rainha Cristina da SuĂ©cia. Regressou a Portugal em 1675; mas, agora sem apoios polĂticos e desiludido pela perseguição aos cristĂŁos-novos (que tanto defendera), retirou-se de vez para a BaĂa em 1681 onde se entregou ao trabalho de compor e editar os seus Sermões. A sua prosa Ă© vista como um modelo de estilo vigoroso e lĂłgico, onde a construção frásica ultrapassa o mero virtuosismo barroco. A sua riqueza e propriedade verbais, os paradoxos e os efeitos persuasivos que ainda hoje exercem influĂŞncia no leitor, a sedução dos seus raciocĂnios, o tom por vezes combativo, e ainda certas subtilezas irĂłnicas, tornaram a arte de Vieira admirável. As obras Sermões, Cartas e HistĂłria do Futuro ficam como testemunho dessa arte.
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in: Infopédia