Descrição
Invulgar.
Folheto panfletário de teor anarquista.
Camões e camoneana.
Eduardo Henrique Metzner nasceu em Lisboa em 20 de Março de 1886 e faleceu na mesma cidade, em 20 de Fevereiro de 1922. Teve uma curta mas intensa vida, marcada pelo infortúnio e a orfandade. Entrou aos oito anos na Casa Pia de Lisboa, onde ficou até aos dezasseis. Ingressou depois no seminário de Coimbra, donde se evadiu, incompatibilizado com a vida religiosa. Afirma-se então como jornalista, panfletário e poeta, embora o seu único livro de versos, Diamantes Negros, só veja a luz três anos após a sua morte, em 1925. Entrega-se ao mesmo tempo a uma vida dissoluta e boémia, enganando a fome a álcool e morfina, que acabará por levar ao trágico desenlace da sua rápida vida.
Há pelo menos três fases da sua produção – uma primeira, entre 1906 e 1908, marcada por panfletos incendiários, de vibrante afirmação libertária e anarquista, em que aparece associado ao grupo carbonário que se reunia no café Gelo, donde saiu o regicídio de 1908; uma segunda, ulterior à morte de Carlos de Bragança e à queda da monarquia, em que a gravocherie anterior continua, mas recaindo agora nas mais eminentes figuras do novo regime, como Teófilo e Bernardino Machado; por fim, uma terceira, balizada pela fundação do jornal A Batalha e pela criação da Federação Maximalista e do Partido Comunista, alinhados então pelo sindicalismo revolucionário ou por teses próximas.
A estúrdia de Metzner não se adequou a uma acção social organizada e o seu nome, tanto quanto a investigação de Gabriel Rui Silva permite dizer, nunca surge nas publicações do sindicalismo revolucionário. Avesso aos constrangimentos naturais dum colectivo, Metzner foi um solitário, um franco-atirador isolado, editor dos seus próprio panfletos, que escrevia num repente, alcoolizado, à mesa dos botequins, como aconteceu em 1911 com a folha Camões morto de fome: ao snr. dr. Teófilo Braga a propósito da santificação do aniversário da morte do cantor das glórias nacionais. Sobre o poema disse o autor: “É um documento histórico que deve ficar como protesto contra a homenagem feita ao génio por cretinos que o apedrejariam ou o matariam à fome se ele vivesse hoje”.
Impiedoso com todos os poderes, vituperando os afortunados poderosos, Metzner, no conflito mundial que opôs a França e a Alemanha, acabou porém por tomar partido pela França contra os impérios centrais, decerto na esteira das teses de Kropotkine, assumidas entre nós por Emílio Costa. Essa opção, uma vez mais tomada num desses panfletos poéticos espontâneos, Os bárbaros do Norte, não o impediu de aderir entusiasticamente à revolução russa de 1917, dando a lume um dos primeiros livros que em Portugal se dedicou a esse acontecimento histórico, A verdade acerca da revolução russa (1919), em que confessa a fé no sindicalismo revolucionário. No mesmo ano, aproximou-se, como tantos outros libertários, da Federação Maximalista e no seguinte fez mesmo parte da “comissão organizadora dos trabalhos para a construção do partido comunista”.
A propósito desta adesão, lembre-se o que em Outubro de 1919 declarava o órgão da Federação Maximalista, Bandeira Vermelha: “para evitar mal-entendidos, todo o indivíduo que em Portugal se declare bolchevista é anarquista ou sindicalista revolucionário.” Nesta linha se entende a proximidade de Metzner de organizações como a Federação Maximalista ou o primeiro Partido Comunista. No derradeiro poema por ele publicado, “A Fé”, que apareceu poucas semanas antes da sua morte no Diário de Lisboa (30-12-1921), fala de Bakunine como herói e da visão libertáriacomo o sonho do futuro. Tudo leva pois a crer que se o autor tivesse sobrevivido à crise de Fevereiro de 1922 que o roubou à vida, se tornaria, como Campos Lima (também maximalista) se tornou, um dos mais veementes críticos da revolução dos sovietes.
No dia seguinte ao seu falecimento, o jornal A Batalha noticiou a sua partida do seguinte modo: Vitimado por uma tuberculose pulmonar faleceu ontem, 20, no hospital de S. José, este conhecido jornalista e poeta revolucionário, realizando-se o seu funeral, amanhã, pelas 15 horas, saindo da sede da Associação dos Trabalhadores da Imprensa, rua das Gáveas. Uma comissão de amigos convida o elemento operário e todos os amigos do extinto a prestar-lhe a homenagem merecida. O Partido Comunista associou-se ao evento, o que foi noticiado a 22 de Fevereiro nas páginas de A Batalha. Em 1925, quando Bourbon de Menezes deu a lume Diamantes Negros, cujo título sinaliza de forma simbólica mas inequívoca o anarquismo visceral deste malogrado, Ferreira de Castro, já então grande prosador, expressou ainda n’ A Batalha (14-12-1925) a sua estima pela figura e pela obra do poeta em curta nota reproduzida de seguida no Diário da Tarde (15-12-1925).
António Cândido Franco